Considero-me uma trintona média, logo, representativa da Classe... mas posso estar enganada...

26
Dez 08

 

Então passo a colocar aqui o que outrora apelidei de "festim de chocolate". É um bom retrato social dos nossas dias... Sei que foi publicado na Visão on-line, mas, lamentavelmente, não me lembro do nome de quem escreveu... As minhas desculpas!

 



«A criancinha quer Playstation. A gente dá.


A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.

A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.

A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.

A criancinha quer camisola adidas e ténis Nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente.

A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.

A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.

Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.

Desperta.

É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.

A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.

A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.

A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».

Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal. Em casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».

A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».

Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha? Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitos congressos e debates para nos entretermos.»

publicado por Trintona(inha) às 18:12
música: Alicia Keys - Superwoman (nova canção-fetiche)
sinto-me: +-
tags:

8 comentários:
O post Generation Gap ajuda a explicar este tipo de comportamento.
Quando o homem ia trabalhar e a mulher era doméstica, havia uma espécie de formação contínua das crianças, havia sempre um adulto, a mãe, junto delas. Hoje não. Como o pai e mãe passam o dia fora a trabalhar, as crianças são despejadas em berçários, em infantários, em escolas, em ATL's, actividades extra-curriculares, enfim, passam o tempo todo entregues a pessoas que têm valores diferentes dos nossos e que nem sequer têm tempo nem vontade nem autorização para impôr os seus próprios valores aos filhos dos outros.
Quando finalmente se junta a família toda, os pais cansados, o filho todo eléctrico e ao mesmo tempo carente, ninguém tem coragem de lhes impôr disciplina, proibições, regras. E aqui sim temos uma verdadeira Generation Gap (conflito de gerações). Nós fomos ensinados a obedecer, a não pedinchar, a não fazer birras e fitas e cenas em público (nem em privado, já agora). Eles estão habituados a exigir, a chantagear, a manobrar. E nós não sabemos bem como reagir. Até porque é expressamente proibido dar uma palmada num filho com outras pessoas a ver. E digo UMA palmada. Na hora, a quente e imediatamente. Causa e efeito. Acção e reacção. Todos aprendemos assim e não nos fez mal.
O desejável é que tal não fosse necessário. Mas eu prefiro dar uma palmada do que fazer um berreiro maior do que o dos miúdos. MAS NÃO POSSO, PORRA. Quem olha delado para mim por não conseguir impôr disciplina, é o primeiro a fazer queixa se me vir a dar a palmadinha.
Miguel a 29 de Dezembro de 2008 às 13:31

Olá Miguel

Tens razão. Mas repara: «ninguém tem coragem de lhes impôr disciplina, proibições, regras». E os miúdos crescem como uns selvagens, a pensar que são reizinhos. Depois, quando chegam à idade adulta, batem com a cara no chão e aqui-vai-de-depressão. Porque afinal, se não forem bem educados, não têm amigos. Se forem egoístas, arranjam namorados mas estes não "ficam" muito tempo... Se o dinheiro, as roupas de marca, o "popó" caem do céu, não vão querer trabalhar 35 horas por semana...

«é expressamente proibido dar uma palmada num filho com outras pessoas a ver». É. Ok. Mas... hipocrisia... Não podemos fazê-lo em público e andam pessoas por aí a verdadeiramente maltratar crianças e ninguém faz nada. Não concordo. Se os meus filhos o merecerem, dou a palmada onde for. Esteja quem estiver a ver.

Beijo!

As perspectivas, de facto, são feias para os filhos dos da nossa geração. Não sabemos como agir SEMPRE, e por vezes, quando agimos bem, já não faz o mesmo efeito por causa das mais das vezes em que agimos mal. Contra mim falo.
Miguel a 31 de Dezembro de 2008 às 13:26

Olá

As perspectivas estão muito mal para as gerações vindouras. Eu tenho dois filhos e temo muito pelo futuro deles. Por eles e pelos contemporâneos deles. Por nós, que, em alguma altura, vamos ser cuidados por esta geração. Esperemos.

As pessoas perderam-se. Os avós já não participam na educação dos filhos. Quando participam na vida deles, rege-os a máxima de "os pais servem para educar, os avós para estragar"... Mas um dos problemas é que os pais também não educam... Os pais estão perdidos no que é "educar". Procuram, às vezes não muito conscientemente, "ajuda" nos locais errados. A televisão, os filmes, os anúncios... estão todos direccionados para vender, para o lucro. Ninguém dessa área vai ensinar os pais a dizer "não" às criancinhas. Seja a um pacote de gomas ou a um telemóvel topo de gama. Quando olham para o lado, vêm, ou pensam ver, os amigos a darem tudo às crianças. Tudo menos atenção, carinho, amor. E é precisamente pelo sentimento de culpa que sentimos que é mais fácil que eles nos manipulem.

Por mim, eu tento. Não digo que sou perfeita, já cedi à chantagem algumas vezes. Todos os dias os meus limites são testados por eles. Ela tenta ver até onde pode ir com uma mentira, ele até onde pode subir a uma cadeira, depois ao móvel, depois ao parapeito da janela. E todos os dias eu penso que ao mostrar-lhes que existem limites, estou a cuidar para que eles sejam pessoas adaptadas, correctas, felizes.

Falta-me aqui um pensamento que me ocorreu enquanto escrevia, mas... já se foi.

Beijo
Trintona(inha) a 1 de Janeiro de 2009 às 13:01

Dezembro 2008
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6

7
8
9
10
11
12
13

16
17
18
19
20

23
27

29
30
31


mais sobre mim

ver perfil

seguir perfil

49 seguidores

pesquisar neste blog
 
Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

links
blogs SAPO